terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O que a Igreja da Inglaterra fez na Reforma

Stephen Neill, bispo anglicano escocês, formado em Cambridge, morto em 1984, escreveu Anglicanism, um dos mais lúcidos textos que li sobre este tema. Foi traduzido para espanhol por José Luis Lana como El Anglicanismo e daí extraí o trecho ontológico que reproduzo abaixo, em tradução livre para o português. Os grifos são de Neill. Ao lê-lo, comparando-o com o que se vê por aí com o nome de “anglicanismo”, pode-se ter uma ideia do que está sendo feito com o sangue dos mártires.

“O milagre havia acontecido. Atacada e ameaçada por todos os flancos, contra toda expectativa, essa coisa tão linda que é a Igreja da Inglaterra havia sobrevivido e a Cristandade ficou mais enriquecida pela sua sobrevivência. Muito ficou por fazer. O curso futuro estaria muito longe de ser tranquilo ou pacífico: poucas igrejas na Cristandade tiveram que lutar tão duramente para se manter ou foram tão perseguidas por inimigos impiedosos. Mas o castiçal nunca se apagou e as Igrejas Anglicanas são hoje em dia, em essência, o que o estabelecimento isabelino as tornou.
Ao final deste amplo estudo das tormentas do século XVI, pode ser aconselhável fazer uma pausa e perguntar o que havia feito a Igreja inglesa e o que não havia feito ao longo de sua reforma.
Havia mantido a fé católica, como está estabelecida nas Escrituras, nos Credos e nas decisões dos quatro primeiros Concílios gerais.
Havia restaurado a doutrina católica da supremacia da Sagrada Escritura em todas as questões de doutrina e conduta.
Havia restaurado a prática católica na provisão do culto em língua compreensível pelo povo.
Havia restaurado a prática católica, instando os leigos a ler a Bíblia.
Na Santa Comunhão, havia restaurado a ordem católica, dando aos leigos a comunhão em ambas as espécies, de pão e vinho, em vez de uma só espécie, como era a prática da Igreja medieval.
Na Confirmação e na Ordenação, havia restaurado a ordem católica, fazendo da imposição de mãos do bispo a parte essencial no rito.
Pretendeu restaurar a prática católica da comunhão regular por todos os fiéis.
Havia retido a tríplice ordem do ministério: bispos, presbíteros e diáconos.
Havia retido muito cuidadosamente a sucessão dos bispos desde os tempos dos apóstolos.
Havia retido a ordem litúrgica do ano cristão, ainda que em uma forma consideravelmente modificada e simplificada.
Havia repudiado a supremacia do papa, tal como se havia desenvolvido desde os dias de Gregório VII.
Negou que o papa tivesse autoridade para interferir nos assuntos civis dos Estados e para depor príncipes.
Pretendeu liberdade para as Igrejas nacionais, dentro da comunhão da Santa Igreja Católica de Cristo, “para decretar ritos ou cerimônias” (Artigo XX). [¹]
Rechaçou a filosofia escolástica e as definições medievais posteriores, especialmente a transubstanciação, que se baseava nela.
Rechaçou as ideias medievais posteriores do purgatório, das indulgências e dos méritos dos santos.
Reteve, desafortunadamente, as ideias medievais da propriedade, da jurisdição e da administração eclesiástica.
Manteve a continuidade da administração: a maioria dos arquivos episcopais mostra que a obra da Igreja foi levada a cabo em meio a todos os distúrbios, sem interrupção de um só dia.
Pretendeu ser uma parte viva da Igreja universal de Cristo.
Era isto, pois, uma nova Igreja ou a antiga Igreja reformada e restaurada? Se é necessário, como afirmou Bonifácio VIII, para a salvação de toda a criatura humana que se submeta ao bispo de Roma, então a posição da Igreja da Inglaterra é insustentável. Mas, se olhamos a Escritura, a vida da Igreja primitiva, a grande tradição central da Igreja através de todos os séculos, podemos chegar à conclusão de que a Igreja da Inglaterra no reinado de Isabel tinha razão de pretender, como pretende hoje em dia, que ela e nenhum outro organismo é a Igreja Católica na Inglaterra. Indubitavelmente, um grande setor dos cidadãos concordava com sua rainha quando ela escreveu ao imperador Fernando, em 1563: “Nós e nossos súditos não seguimos nenhuma religião nova ou estranha, mas a mesma religião ordenada por Cristo, sancionada pela Igreja primitiva e católica, aprovada pela mente e pela voz dos Pais mais antigos” (págs. 121-122).

Tradução do Bispo +José Moreno (Igreja Anglicana Livre)

Um comentário:

  1. É por isso que digo sempre que há anglicanos e anglicanos. Algumas vezes, alguns assim ditos anglicanos ostentarão o selo de “legítimos”, “oficiais”, “tradicionais”, “verdadeiros”, etc., mas serão lobos travestidos de cordeiros. O rótulo nem sempre identifica fielmente o conteúdo.

    “À lei e aos mandamentos! Se eles não falarem conforme esta palavra, vocês jamais verão a luz!” – Is 8.20.

    +Bispo José Moreno
    http://bispomoreno.wordpress.com/

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